A Questão Agrária na Nova República
O problema agrário brasileiro começou em 1850, quando
acabou o tráfico de escravos e o Império, sob pressão dos fazendeiros, resolveu
mudar o regime de propriedade. Até então, ocupava-se a terra e pedia-se ao
imperador um título de posse. Dali em diante, com a ameaça de os escravos
virarem proprietários rurais, deixando de se constituir num quintal de
mão-de-obra quase gratuita, o regime passou a ser o da compra, e não mais de
posse.”Enquanto o trabalho era escravo, a terra era livre. Quando o trabalho
ficou livre, a terra virou escrava”, diz o professor José de Souza Martins, da
Universidade de São Paulo. Na época, os Estados Unidos também discutiam a
propriedade da terra. Só que fizeram exatamente o inverso. Em vez de impedir o
acesso à terra, abriram o oeste do país para quem quisesse ocupá-lo – só
ficavam excluídos os senhores de escravos do sul. Assim, criou-se uma potência
agrícola, um mercado consumidor e uma cultura mais democrática, pois fundada
numa sociedade de milhões de proprietários.Com
pequenas variações, em países da Europa, Ásia e América do Norte impera a
propriedade familiar, aquela em que pais e filhos pegam na enxada de sol a sol
e raramente usam assalariados. Sua produção é suficiente para o sustento da
família e o que sobra, em geral, é vendido para uma grande empresa agrícola
comprometida com a compra dos seus produtos. No Brasil, o que há de mais
parecido com isso são os produtores de uva do Rio Grande do Sul, que vendem sua
produção para as vinícolas do norte do Estado. Em Santa Catarina, os aviários
são de pequenos proprietários. Têm o suficiente para sustentar a família e
vendem sua produção para grandes empresas, como Perdigão e Sadia. As pequenas
propriedades são tão produtivas que, no Brasil todo, boa parte dos alimentos
vêm dessa gente que possui até 10 hectares de terra. Dos donos de mais de 1.000
hectares, sai uma parte relativamente pequena do que se come. Ou seja: eles
produzem menos, embora tenham 100 vezes mais terra.Ainda
que os pequenos proprietários não conseguissem produzir para o mercado, mas
apenas o suficiente para seu sustento, já seria uma saída pelo menos para a
miséria urbana. “Até ser um Jeca Tatu é melhor do que viver na favela”, diz o
professor Martins. Além disso, os assentamentos podem ser uma solução para a tremenda
migração que existe no país. Qualquer fluxo migratório tem, por trás, um
problema agrário. Há os mais evidentes, como os gaúchos que foram para Rondônia
na década de 70 ou os nordestinos que buscam emprego em São Paulo. Há os mais
invisíveis, como no interior paulista, na região de Ribeirão Preto, a chamada
Califórnia brasileira, onde 50.000 bóias-frias trabalham no corte de cana das
usinas de álcool e açúçar durante nove meses. Nos outros três meses, voltam
para a sua região de origem – a maioria vem do paupérrimo Vale do
Jequitinhonha, no norte de Minas Gerais.A
política de assentamento não é uma alternativa barata. O governo gasta até
30.000 reais com cada família que ganha um pedaço de terra. A criação de um
emprego no comércio custa 40.000 reais. Na indústria, 80.000. Só que esses
gastos são da iniciativa privada, enquanto, no campo, teriam de vir do governo.
É investimento estatal puro, mesmo que o retorno, no caso, seja alto. De cada
30.000 reais investidos, estima-se que 23.000 voltem a seus cofres após alguns
anos, na forma de impostos e mesmo de pagamentos de empréstimos adiantados.
Para promover a reforma agrária em larga escala, é preciso dinheiro que não
acaba mais. Seria errado, contudo, em nome da impossibilidade de fazer o
máximo, recusar-se a fazer até o mínimo. O preço dessa recusa está aí, à vista
de todos: a urbanização selvagem, a criminalidade em alta, a degradação das
grandes cidades.
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